Dia 31 de agosto completará 30 anos a Política Nacional do Meio
Ambiente, consolidada na Lei 6.938. Que balanço se pode fazer dessas
três décadas?
A lei surgiu no momento em que o mundo se preocupava com os primeiros
relatórios sobre o buraco na camada de ozônio, sobre a intensificação
de mudanças climáticas
em consequência de ações humanas, com as altas taxas de perdas de
florestas. O temor das consequências do buraco na camada de ozônio, até
sobre a saúde humana (câncer de pele, principalmente), levaria a um dos
raríssimos acordos globais na área dita ambiental: o Protocolo de
Montreal, de 1987, que determinou a cessação do uso de gases CFC,
principalmente em sistemas de refrigeração. Clima e biodiversidade (em
perda acelerada) constituiriam os objetos centrais da conferência
mundial Rio-92, que aprovaria uma convenção para cada área, além da
Agenda 21 global e de uma declaração sobre florestas.
A lei era surpreendente e ambiciosa para um tempo de regime militar,
em que a palavra de ordem central e excludente de outras preocupações
era o crescimento a qualquer preço do produto interno bruto – a ponto
de, numa entrevista coletiva no início da década de 70, quando
perguntado pelo autor destas linhas sobre o que o governo pretendia
fazer diante das notícias do forte aumento do desmatamento no
Centro-Oeste e no Noroeste com o asfaltamento da BR-364, o então
todo-poderoso ministro Delfim Netto haver respondido: “Nada. Você está
querendo inverter a ordem natural das coisas. Primeiro vem o faroeste,
só depois é que chega o xerife; você está querendo que o xerife chegue
primeiro”. Só agora, 40 anos depois, em depoimento no livro O que os
Economistas Pensam da Sustentabilidade, de Ricardo Arnt, o ex-ministro
admite que jamais pensou que viesse um dia a preocupar-se com o consumo
excessivo de recursos naturais, além da capacidade de reposição do
planeta. Mas a lei já dizia que um de seus objetivos era “compatibilizar
o desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente
e do equilíbrio ecológico”.
Também pretendia a lei racionalizar o uso do solo, do subsolo, da
água e do ar, impor ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar
e/ou indenizar pelos danos causados, da mesma forma que impunha ao
usuário a obrigatoriedade de “contribuição pela utilização de recursos
ambientais com fins econômicos”. Pretendia ainda levar “as atividades
empresariais públicas ou privadas” a serem exercidas em “consonância com
as diretrizes da política”.
Talvez o maior êxito dessas três décadas seja a construção de uma
consciência social nessa área – embora frequentemente ela não se traduza
em avanços práticos. Ainda há poucos dias foi divulgada pesquisa de
várias instituições segundo a qual 95% das pessoas ouvidas não concordam
com modificações no Código Florestal que permitam plantações e pecuária
em áreas de preservação permanente, como encostas, topos de morros e
margens de rios. E querem que cientistas sejam ouvidos, além de não
concordarem (79%) com anistia a desmatadores.
A questão central não resolvida pela lei está na carência de recursos
para implantação de políticas e fiscalização eficiente. Já se tem
comentado aqui que o Ministério do Meio Ambiente tem pouco mais de 0,5%
do Orçamento federal e que também nos Estados e municípios os recursos
são escassos. Não é por acaso, assim, que já tenham sido desmatados uns
20% do bioma amazônico, mais de 93% da Mata Atlântica, mais de 50% do
Cerrado e da Caatinga. E que esse desmatamento, aliado a queimadas, seja
a causa principal das emissões de gases que contribuem para mudanças climáticas.
Um balanço mostrará também que a área dos recursos hídricos continua
muito preocupante, com todas as bacias, da Bahia ao Sul, em “situação
crítica”, além de a Agência Nacional de Águas prever que mais de metade
dos municípios brasileiros terá problemas graves em prazo curto. Uma das
razões está no escasso cumprimento do dispositivo que manda criar
comitês de gestão das bacias e pagamento por todos os usos da água – com
os recursos aplicados nas próprias bacias. Entre os poucos comitês que
funcionam, a maioria fica no Estado de São Paulo. Mas o próprio governo
federal contribui para a pouca efetividade da lei quando não acata a
decisão de um comitê como o da Bacia do Rio São Francisco, que por 44
votos a 2 se manifestou contra o projeto de transposição de águas. O
governo levou o tema para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e ali
o aprovou, com a maioria de votos que tem, sozinho. Para a preocupação
na área da água contribui também o inadmissível déficit no saneamento,
com metade dos brasileiros sem dispor de rede coletora de esgotos e
menos de 30% do que é coletado ter algum tratamento – por isso o despejo
de esgotos in natura é a principal causa da poluição dos recursos
hídricos e da veiculação de doenças transmitidas pela água. Sem falar no
desperdício, por vazamentos, de mais de 40% da água que passa pelas
redes de distribuição.
Outra obrigatoriedade criada pela lei e não cumprida é a que manda
cobrar do poluidor os custos por ele gerados. Quem se lembra disso na
área da poluição do ar e nos custos que gera para o sistema de saúde, ou
na implantação dos sistemas viários urbanos e de rodovias? Ou na área
do lixo?
Talvez importantes avanços possam vir a ser feitos quando se levar à prática a exigência de uma resolução (1/86) do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que manda “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto”. Iniciativas como a transposição de águas do Rio São Francisco ou a Hidrelétrica de Belo Monte resistiriam a uma análise dessa natureza? Ou o plano de usinas nucleares?
Talvez importantes avanços possam vir a ser feitos quando se levar à prática a exigência de uma resolução (1/86) do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que manda “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto”. Iniciativas como a transposição de águas do Rio São Francisco ou a Hidrelétrica de Belo Monte resistiriam a uma análise dessa natureza? Ou o plano de usinas nucleares?
Cabe à sociedade exigir, neste 30.º aniversário, que a lei seja integralmente cumprida.
Fonte: http://www.abrampa.org.br/noticias_listar.php?idNoticia=2774
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