RIO - Certos anos são definidores da História. Eventos que
transformam a relação da sociedade com o ambiente. E 2011 é um desses
anos. A tragédia de janeiro na Região Serrana do Rio, o maior desastre
natural nos mais de cinco séculos do Brasil, colocou o país no
indesejado mapa das zonas de risco do planeta e evidenciou de forma
indiscutível nossa vulnerabilidade às mudanças do clima.
Da Terra, o imenso oceano de ar que envolve nosso planeta, é mais
misterioso do que a Lua. Mas já deu sinais claros de que esta é uma
época de mudança. Especialistas dizem ser impossível, por enquanto,
afirmar que o aquecimento global está por trás de eventos como as chuvas
da Serra, as de abril de 2010 e 2011 no Rio, as enchentes devastadoras
em São Paulo e as ressacas atípicas, como a que atingiu semana passada a
orla carioca e de Niterói. Houve ainda chuvas torrenciais no Norte e no
Nordeste. Certeza mesmo há duas. A primeira é que as cidades, ao
alterarem profundamente rios, encostas e solos e concentrarem populações
contadas na casa dos milhões, geram seu próprio clima e risco. A
segunda é que, por sermos muitos, e muitas vezes em lugares de risco,
nossa vulnerabilidade nunca foi tão alta aos fenômenos climáticos.
- Entramos num novo regime climático. Um regime de extremos. Nas
grandes cidades, que modularam o próprio clima, ele já está em curso. A
sociedade brasileira precisa se conscientizar de que chuvas e secas
extremas não serão mais esporádicas. Já são rotineiras - diz Marcos
Sanches, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Inpe, em
Cachoeira Paulista.
A professora do Departamento de Meteorologia da UFRJ Claudine
Dereczynski, especialista em chuvas, lembra que em 6 de abril de 2010
choveu mais no Rio do que as máximas registradas na Serra em janeiro.
Então o que pode ter feito a diferença entre as duas catástrofes é a
grande exposição ao risco nos vales e encostas da Serra, numa região com
o solo já saturado por dias de chuva contínua.
- Nos últimos 30 anos, dobrou em São Paulo a frequência de
chuvas violentas. A intensidade dos fenômenos climáticos extremos
aumentou. Mas o aumento da vulnerabilidade da população é muito maior -
afirma o chefe do CCST, José Marengo.
Há 15 anos, a cidade de São Paulo parava devido a grandes
alagamentos uma vez por ano. Agora isso é rotina, observa Marcos
Sanches.
Claudine acrescenta que as medições de estações no Alto da Boa Vista
e em Santa Cruz indicam elevações no volume de chuvas e no aumento da
temperatura, principalmente das mínimas. Isso significa que o calor dura
todo o dia. Não há alívio. E não é só no verão. As pessoas costumam
temer as chuvas da estação. Mas abril é um mês que reúne uma combinação
explosiva de calor de verão com frentes frias, típicas do inverno.
- Não é surpresa que o Rio de Janeiro tenha sido castigado em
dois anos seguidos por violentas chuvas de abril (6 de abril de 2010 e
25 de abril de 2011). Essas chuvas tendem a se tornar mais frequentes -
explica Marcelo Seluchi, pesquisador do Centro de Precisão do Tempo e
Estudos Climáticos do Inpe (CPTEC).
Há dois componentes para o aumento dos desastres naturais no
Brasil. Um é humano. Há mais gente, e é maior a população em áreas de
risco. O outro é atmosférico. As cidades formam ilhas de calor, com um
microclima mais instável.
- A diferença de temperatura (a mínima, principalmente) entre o
Centro do Rio e a periferia pode chegar a 4 graus Celsius. Em São Paulo,
isso também ocorre. É o fenômeno da ilha de calor - diz Seluchi.
Gilvan Sampaio, do CCST/Inpe, destaca que, nos últimos cinco
anos, têm sido observadas mudanças na distribuição das chuvas ao longo
do ano:
- Chove o mesmo volume no total, mas ele é mal distribuído. O resultado são tempestades violentas.
Para Seluchi, é um fato concreto que a temperatura do planeta está em elevação:
- Têm aparecido fenômenos que antes não conhecíamos em determinadas regiões.
Especialista em tempestades, o meteorologista Ernani Nascimento, da Universidade Federal de Santa Maria, frisa:
- É indiscutível que os desastres estão mais frequentes, mas isso acontece porque estamos mais vulneráveis.
Nascimento chama a atenção para o fato de, nos últimos anos,
terem sido registrados no Atlântico, junto à costa do Brasil, fenômenos
com características de ciclone tropical, como furacões. O mais famoso
deles foi o Catarina, em 2004, classificado como o primeiro furacão
brasileiro. Mas antes dele, no mesmo ano, um fenômeno semelhante se
formou junto à costa da Bahia. Foram registrados ainda o Anita (no Rio
Grande do Sul, em 2010) e o Arani (em março de 2011, entre o sul do
Espírito Santo e o norte do Rio). Estes, felizmente, não chegaram à
terra.
- Não sabemos se eles já ocorriam e só agora são registrados,
graças à melhora na tecnologia. Ou se são fenômenos novos. Sempre
tivemos ciclones extratropicais. Mas ciclones tropicais têm ventos mais
fortes e características diferentes e não existiam nessa parte do
Atlântico - pondera Nascimento.
Seluchi diz que são grandes as incertezas, num mundo em transformação:
- Será que o Brasil um dia será afetado por furacões? Não
sabemos ainda. Mas a população precisa estar preparada para eventos
extremos.
Por Ana Lucia Azevedo
Fonte : O Globo
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