Natal (27/05/2011) – Desde março último, agentes de fiscalização do Ibama/RN vêm cumprindo uma difícil rotina, que começa ao entardecer e só termina com os primeiros raios do sol. Eles vigiam as áreas de postura das arribaçãs (Zenaida auriculata noronha) entre os municípios de Jandaíra, Lajes e Caiçara do Norte. O trabalho consiste em percorrer estradas, penetrar na mata fechada, montar campanas, sempre com o objetivo de impedir a entrada de caçadores, que se aproveitam da escuridão para matar, indiscriminadamente, filhotes e adultos dessas aves.
A ação tem trazido excelentes resultados, pois as capturas diminuíram
sensivelmente nessas áreas tradicionalmente visitadas pelas arribaçãs.
“Quase não tivemos caçadores neste ano”, comemora o chefe do Escritório
Regional do Ibama em Mossoró, Linduarte Lopes, que é também o
coordenador das ações. Em anos anteriores, as apreensões de arribaçãs
mortas pelos fiscais atingiam números impressionantes, que superavam
milhares de unidades.
A
proteção das áreas de postura, também conhecidas como “pombeiros”, está
assegurando a ampliação da população de arribaçãs no estado. Um
indicativo disso pode ser o surgimento de novos pombeiros, como o de
Caiçara do Norte, que ocupa uma área de 800 hectares. Segundo relatos de
moradores, as arribaçãs não nidificavam no local há quase um século,
desde 1917. Outros relatos dão conta de que as aves, por sofrerem menor
estresse, estariam realizando diversas posturas num mesmo ano. Assim,
bandos de arribaçãs que começaram a pôr ovos em março em Jandaíra
poderiam estar nidificando novamente em Caiçara do Norte, onde ainda há
ovos eclodindo.
Toda a preocupação em torno da proteção das arribaçãs faz sentido.
Embora não esteja ameaçada de extinção, essa pequena pomba sofre intensa
pressão de caça, o que pode prejudicar seus estoques naturais. Ainda
persiste no RN um comportamento altamente reprovável, encontrado em
todas as classes sociais – o consumo de arribaçãs como petisco. No
passado, a captura da arribaçãs para alimentação fazia sentido. Mas hoje
nada justifica continuar realizando um abate cruel para satisfazer o
paladar de seus consumidores.
Cruel é a qualificação correta do método de caça da arribaçã. Segundo
Linduarte Lopes, os caçadores invadem os pombeiros à noite munidos de
uma espécie de lamparina e um porrete. Com a luz, as aves ficam
atordoadas e são abatidas facilmente a pauladas, sejam filhotes ou
adultos – não há seletividade. É corrente entre os fiscais a história de
um caçador que apanhava os filhotes com a mão e, para não perder tempo,
os matava arrancando a cabeça com seus próprios dentes.
Gestos bárbaros motivados pelo apetite dos cidadãos potiguares. Afinal, se não houver quem compre, não há estímulo para a caça.
Mas, apesar do esforço dos fiscais do Ibama e de seus colaboradores
(veja quadro ao lado), os caçadores ainda tentam invadir os santuários
de reprodução. De março até hoje, foram apreendidas cerca de 300
arribaçãs mortas. O prejuízo para os caçadores apanhados foi grande:
além de perderem três motos, duas bicicletas e até arreios de cavalos,
receberam multas que, somadas, ultrapassam os R$ 137 mil. Quatro deles
foram detidos em flagrante e responderão a processo por crime ambiental,
cujas penas podem chegar a uma ano e meio de detenção.
As atividades de proteção às arribaçãs vão perdurar por pelo menos
mais 30 dias, enquanto houver a formação de pombeiros. O Ibama recomenda
a todos os cidadãos potiguares para que não consumam arribaçãs ou
qualquer tipo de caça. A aquisição desses animais abatidos é ilegal e
sujeita os infratores a multas e penas de detenção de até um ano. O
comércio desses animais, vivos ou mortos, deve ser denunciado pelo
telefone 0800-61-8080 ou (84) 3211-0100 (em Natal).
De caçador a defensor das arribaçãs
“Olha
‘praqui, seu Linduarte, olha ‘praqui!” É o mateiro Enoque Oliveira
Freitas, que, numa agitação controlada, chama o chefe dos fiscais. No
meio da vegetação, ele aponta para uma infinidade de arribaçãs jovens,
com quase um mês de vida, todas empoleiradas nos arbustos. “Mais cinco
ou seis dias, e eles já vão acompanhar o bando”, explica. Logo mais
adiante, mostra os ninhos com ovos e filhotinhos ainda sem plumas. Com
todo o cuidado, afasta ramos e galhos para ver melhor sem ferir as
avezinhas.
Enoque quase não ri, mas percebe-se que está muito alegre com o seu
trabalho. Voluntário do Ibama há cerca de seis anos, revela que é a
primeira vez que vê resultado positivo como esse. Ele sabe que é peça
fundamental das ações. Exímio conhecedor da região e das artes da caça –
“fui caçador, também, pegava até 500 delas por noite, até que o Ibama
me pegou e multou” –, Enoque orienta os fiscais no campo e ainda
convence os moradores de seu assentamento a não pegar arribaçãs.
Segundo
ele, ninguém mais precisa das arribaçãs para matar a fome. “Fazem isso
por dinheiro, porque tem gente que compra arribaçã pra servir de
tira-gosto”, esclarece. E quem compra? Na sua simplicidade, confirma o
triste retrato de que as agressões ao meio ambiente são financiadas, boa
parte das vezes, pelos que poderiam dar o exemplo: “Seu doutor, com
arribaçã a gente arruma muita amizade, até com gente de anel no dedo”.
A temporada de Enoque junto ao Ibama se encerra quando os filhotes
acompanharem os adultos e os pombeiros se desfizerem. O ciclo é regulado
pelas chuvas, como ele sabe muito bem: “Chove pra ela chegar, chove pra
ela pôr [os ovos], chove pra ela tirar [nascer], chove pra ela voar”.
Mas, na sua comunidade, em Jandaíra, Enoque ainda terá muito trabalho.
Ele é um dos fundadores da “Associação de Educadores Ambientais dos
Assentamentos Guarapes e Boa Vista” e pretende ensinar tudo o que sabe
em defesa do meio ambiente. Sorte dos moradores dos assentamentos. E de
todos os riograndenses do norte. Enoque não tem anel no dedo, mas,
pensando bem, isso até poderia atrapalhar.
Airton De Grande - Ascom/Ibama/RN
fotos: Linduarte Lopes e Airton De Grande - Ibama/RN
fotos: Linduarte Lopes e Airton De Grande - Ibama/RN
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