Bruxelas, Bélgica, 10/6/2011 – Corporações e governos europeus aproveitam, há anos, um vazio legal do Protocolo de Kyoto sobre mudança climática
para obter ganhos exorbitantes. Várias fontes indicam que esse
lucrativo esquema causou mais contaminação do que nunca antes. O
Protocolo de Kyoto (assinado em 1997 e em vigor desde 2005) permite às
empresas europeias “compensarem” seu excesso de emissões de gás-estufa
comprando redução de emissões em países pobres.
Esta disposição é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os requisitos para incluir nele projetos no exterior e a emissão de créditos de carbono
– que neste caso se chamam certificados de redução de emissões (CRE) –
são controlados pelo Conselho Executivo do MDL, que funciona na órbita
da Organização das Nações Unidas (ONU).
Cada CRE equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que não foi
lançada na atmosfera. E é entregue ao responsável pelo projeto, após
certificar que a redução realmente ocorreu. Estes CRE podem gerar
instrumentos comercializáveis, sujeitos às leis da oferta e da demanda.
Em junho de 2010, duas organizações não governamentais ambientalistas
– CDM Watch, com sede em Bonn, e a Agência de Pesquisa Ambiental (EIA),
com escritórios em Washington e Londres – descobriram que governos e
corporações europeias estavam fazendo um flagrante mau uso do MDL.
De todos os CRE, 59% se originaram nos mesmos 19 projetos, embora no
MDL estejam registrados 2.800 projetos. Os 19 projetos produziam
HCFC-22, um gás refrigerante proibido nos Estados Unidos e na Europa no
contexto do Protocolo de Montreal Relativo às Substâncias que Esgotam a
Camada de Ozônio. Nos países em desenvolvimento, este gás deverá estar
eliminado até 2030.
HCFC é a sigla para os hidroclorofluorocarbonos, e também é um
“supergás de efeito estufa”, 1.810 vezes mais potente do que o dióxido
de carbono. Além disso, o HFC-23, subproduto da manufatura do HCFC-22, é
11.700 vezes mais prejudicial do que o dióxido de carbono.
Quando os produtores do gás refrigerante decidem queimar esse
subproduto HFC-23 em lugar de liberá-lo na atmosfera, estão aptos a
receberem numerosos créditos concedidos sob o MDL. A queima de uma
tonelada de HFC-23 permite adquirir 11.700 créditos de emissão para a
unidade que queima o gás. Este negócio se mostrou muito lucrativo. A
queima do equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono custa apenas
US$ 0,25, enquanto os créditos podem ser vendidos no mercado europeu por
não menos de US$ 19,00.
Estes projetos logo atraíram bancos investidores, que quiseram
participar dos lucros: JP Morgan Chase, Citigroup, Goldman Sachs,
Rabobank e Fortis. Junto a estes bancos, os governos italiano, holandês e
britânico aparecem várias vezes nas listas de investidores. Grandes
empresas de energia, entre elas E.ON e RWE (Alemanha), Nuon (Holanda),
Enel (Itália) e Electrabel (Bélgica) também aparecem como participantes
nestes projetos.
Os antecedentes recopilados pela CDM Watch e pela EIA indicam que os
ganhos derivados desta compensação de gases acabaram estimulando a
produção do nocivo HCFC-22. Segundo a EIA, o preço de uma tonelada desse
gás oscila entre US$ 1 mil e US$ 2 mil, enquanto a mesma tonelada vale
entre US$ 5 mil e US$ 5,8 mil em CRE quando se vende no mercado europeu.
Em economia isto se chama “incentivo perverso”, e ocorre quando um
incentivo apresenta um resultado não procurado e indesejável que vai
contra o que propõe a política em questão.
No total, empresas e governos europeus financiaram estes projetos por
pelo menos US$ 1,5 bilhão, enquanto o verdadeiro custo para reduzir
este gás é de US$ 150 milhões. “Este dinheiro foi investido em falsas
reduções de emissões”, afirmou Eva Filzmoser, diretora de programa na
CDM Watch. “Segundo o MDL, os créditos obtidos representam reduções nas
emissões. Mas, em lugar disso, houve mais gases-estufa enquanto as
empresas ocidentais seguiam contaminando como antes. O dano ambiental é
imenso”, disse à IPS.
Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma),
entre 2004 e 2009, indicam que a produção de HCFC-22 passou de 15
milhões para 28 milhões de toneladas. Depois das queixas da CDM Watch e
da EIA, a ONU iniciou sua própria investigação, enquanto tentava frear a
emissão de novos CRE. Esta pesquisa, que terminou em 16 de novembro de
2010, foi catalogada como “confidencial” pela ONU devido à “informação
comercialmente delicada” que contém.
Entretanto, a IPS teve acesso a esse documento, que indica que
algumas das unidades de produção investigadas estavam “maximizando os
créditos em lugar de atender a demanda do produto”. Ainda assim, o
informe propõe que são apenas “sinais” de incentivos perversos e que a
evidência não é “concludente”. No dia 26 de novembro, o Conselho
Executivo do MDL decidiu emitir mais 20 milhões de créditos para 12
projetos de HFC (hidrofluorocarbonos).
Jos Delbeke é o titular da Direção Geral de Ação pelo Clima na
Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia), que foi criada no
ano passado. Segundo ele, o órgão tinha conhecimento do problema antes
que as organizações não governamentais iniciassem sua campanha. “Na ONU,
nos queixávamos desse problema há vários anos. Não deveria se obter CRE
com gases que estão proibidos na Europa”, afirmou Delbeke à IPS.
O principal problema, disse, não é o dano ambiental. “Estão sendo
gerados ganhos a partir da usura, e isso é repugnante”, afirmou Delbeke.
“Assim não podemos conseguir que nossa política climática funcione.
Temos de perguntar se não poderíamos ter feito muito mais com a
quantidade de dinheiro que se gastou”, acrescentou.
Quando ficou evidente que a ONU não tomaria medidas, a Direção Geral
de Ação pelo Clima decidiu propor uma proibição dos créditos por
produção de HFC. A comissária europeia de Ação pelo Clima, Connie
Hedegaard, propôs 1º de janeiro de 2013 como data para a entrada em
vigor dessa proibição. Mas a história não termina aí. IPS/Envolverde
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