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By Ferramentas Blog

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mudança climática não respeita tradições


Muito depois do pôr do sol, Angelina Jossefa continua retirando mato do terreno que tem na periferia da capital moçambicana. A maioria das alfaces, cenouras e beterrabas morreram no inverno, o obrigando a que ela trabalhasse muito mais para alimentar seus três filhos.

“Este foi um ano difícil por causa do frio”, disse Angelina, que é mãe solteira. “Fez muito frio”, ressaltou, enquanto colhia algumas alfaces. Moçambique costuma se caracterizar pelo calor e pelas inundações, mas, este ano, as comparativamente escassas chuvas e o duro inverno dificultaram a vida de agricultores de subsistência, 80% da população deste país.

“Não aumentou o número de dias frios, mas as temperaturas mínimas foram as mais baixas em 50 anos”, disse Sergio Buque, especialista em clima do Instituto Nacional de Meteorologia. A menor temperatura, de 7,4 graus, foi registrada em 1958. Em junho passado, o termômetro marcou 5,1 graus. “É um novo recorde”, afirmou. Além disso, as chuvas nesta temporada foram extremamente baixas, apesar das previsões indicando que seriam acima da média.

“A estação das chuvas não é mais normal”, disse Dulce Chilundo, diretor do Centro Nacional de Operações de Emergência de Moçambique. “É o aquecimento global”, afirmou. Este país sofreu, em 2000, inundações devastadoras. A temporada de chuvas costuma ir de outubro a fevereiro, mas naquele ano não choveu muito. “Não começou em outubro. Em novembro choveu muito, e depois nada”, disse Dulce.

“Há anos chovia duas ou três vezes por mês. Agora passam quatro ou cinco meses sem cair uma gota”, afirmou Angelina, referindo-se à água que recebeu seu terreno de 1,21 hectares, que cultiva, junto com sua mãe, sua tia e uma cunhada, há 29 anos. As três são solteiras com filhos. Angelina, de 41 anos, se preocupa com a sorte de seus filhos quando o dinheiro acabar. “Não é suficiente porque dois estudam. Consigo pagar o transporte e os gastos da casa, mas é pouco”, lamentou.

Muitas pessoas pobres protestaram em várias cidades de Moçambique, em setembro do ano passado, contra o alto preço dos alimentos. Mas os milhões de pequenos agricultores dispersos pelo vasto país não têm possibilidade de se expressar, apesar de fatores que fogem ao seu controle colocarem em perigo sua produção.

Há mais de oito milhões de desnutridos em Moçambique, segundo à Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). “Creio que a mudança supera a possibilidade de controle local”, disse Lola Castro, diretora do Programa Mundial de Alimentação (PMA) e chefe da equipe de ajuda humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU). Os mais velhos nos dizem que é difícil saber quando plantar, quando colher e quando vai chover. Definitivamente, existe uma mudança”, alertou Lola.

Uma forma de contornar a situação é utilizar sementes em função das características climáticas, afirmam especialistas em desenvolvimento. O risco de inundações é alto porque os agricultores cultivam em planícies que alagam. “É impossível impedir as pessoas de plantarem em zonas baixas. É a área fértil”, explicou Lola. As autoridades incentivam os agricultores a usar sementes mais fortes, que sobrevivem em zonas altas e mais secas, como mandioca, sorgo e milho.

Outra possibilidade é utilizar sementes com ciclos de gestação menores para conseguir uma colheita rápida e fazer quase tudo em uma temporada, sugeriu Sergio. “Ciclos de 125 dias são muito extensos. Deveríamos começar a desenvolver sementes de 90 dias para capitalizar a estação chuvosa”, acrescentou. Estas soluções podem ser a diferença entre a vida e a morte para milhões de moçambicanos. Contudo, mudar tradições ancestrais que passaram de geração a geração é, sem dúvida, uma tarefa diferente. 



A domadora do clima


 
As terras de cultivo da nepalesa Saraswoti Bhetwal se destacam na aldeia de Lamdihi, na região do sub-Himalaia, brilhando como um mosaico de formas e cores formado por feijões, melões amargos, tomate e outros produtos. O motivo desta abundância é simples: Bhetwal aproveitou a capacitação dada por um projeto de manejo de bacias administrado pelo Centro Internacional para o Desenvolvimento Integrado de Montanhas (Icimod), em Katmandu. “Depois de participar dos programas de interação do Icimod, me dei conta da importância do manejo integrado da terra para impulsionar a produção”, contou à IPS.

O sucesso de adaptação desta mulher ficou evidente no ano passado, quando uma prolongada seca durante a temporada de monções afetou as plantações de seus vizinhos – e não as dela – em Lamdihi, que fica 45 quilômetros a leste da capital, na bacia do Jikhu Khola. “Falo para os outros adotarem as mesmas técnicas de manejo da água que aprendi no Icimod, para evitar perdas por chuvas erráticas, que, se diz, são causadas pela mudança climática”, afirmou Bhetwal.

Os agricultores do Nepal sofreram os piores impactos da mudança climática durante a seca do inverno 2008-2009, quando na maior parte do país choveu 50% menos do que o normal e as temperaturas ficaram entre um e dois graus acima do habitual. Com a queda de 15% e 17% na produção de trigo e cevada, respectivamente, e o milho sendo severamente afetado, o PMA intensificou sua ajuda. Espera-se que este ano o PMA forneça alimentos para 1,2 milhão de nepaleses ao custo de US$ 98,5 milhões, particularmente nas montanhas do médio e distante oeste do país, considerado um dos mais pobres do mundo.

Bhetwal explicou à IPS que a agricultura é uma atividade difícil há vários anos, por culpa das erráticas chuvas e da consequente escassez de água para irrigação nos mananciais naturais. “As mudanças no clima desconcertam os agricultores em muitas partes do Nepal, e necessitam de apoio institucional para combater os impactos, já que isto implica melhorar a fertilidade dos solos e o manejo da terra com práticas agrícolas integradas”, disse Tek Chand Mahant, do Icimod.

O agricultor Ramesh Kamal, da aldeia de Dhulikhel, contou que “antes as chuvas eram tão previsíveis que podíamos confiar nelas, e agora nunca estamos seguros de quando cairão. Não temos ideia do que está acontecendo”, acrescentou. Bhetwal jura que sobreviveu como agricultora somente porque adotou os métodos de agricultura integrada que aprendeu no Icimod. Entre eles a coleta de água da chuva no telhado e de resíduos líquidos em tanques revestidos de plástico; irrigação por gotejamento; criação de áreas para cultivar, com plantio de pasto e árvores; elaboração de compost (adubo orgânico); e aproveitamento da água subterrânea.

“Antes, só podia obter uma colheita de milho ao ano, cultivando na temporada das chuvas de monções, e tinha que deixar a terra em descanso o resto do ano. Agora, consigo três colheitas anuais usando irrigação por gotejamento, coleta de água e outras tecnologias simples”, contou Bhetwal. Suas áreas, de terra vermelha, ocupam 0,7 hectare e ficam a uma altitude de 860 metros. Contam com clima subtropical e chuvas anuais médias de 1.200 milímetros, propícias para a agricultura, desde que não deixem de cair.

“Estou satisfeita com os resultados”, afirmou Bhetwal à IPS, acrescentando que agora ganha US$ 1 mil adicionais ao ano. Agora tem novos desafios. “Frequentemente os ratos comem meus dutos de irrigação por gotejamento. Quando isso acontece tenho de trocá-los, mas acredito que os especialistas do Icimod terão uma solução”, disse. Considerado um país muito vulnerável à mudança climática, o Nepal tenta que seus agricultores adotem melhores práticas de cultivo como forma importante de enfrentar os impactos climáticos.

“Manter a produção sempre foi uma preocupação prioritária para os agricultores destas partes”, disse Mahant. De todo modo, muitos produtores da região apenas começam a despertar para as novas tecnologias. “Nosso esforço visa a atrair cada vez mais cultivadores para exemplos como o de Bhetwal, disse Nira Gurung, encarregada de comunicações do Icimod. Esta entidade instalou um centro de demonstrações na aldeia de Lamdihi, onde Bhetwal e outras pessoas explicam aos agricultores técnicas como as que ela utiliza.

Bhetwal “nos serve de modelo. Passou de um cultivo de milho por ano a colher arroz, batata e verduras três vezes ao ano”, disse Mahant. No ano passado, as chuvas foram escassas e a água que Bhetwal colhia no telhado durou apenas cinco meses. “Mas ainda consegui cultivar, embora a produção não fosse tão boa quanto a do ano anterior”, explicou à IPS. Madan Sherpa, agricultor vizinho que visitou as exuberantes terras de Bhetwal, resumiu sua admiração dizendo: “Fico impressionado como ela enfrentou a seca e outras duras condições climáticas. Vale a pena estimular tudo isto, por isso estou aqui”.



 Perdas dos EUA com eventos climáticos chega a US$ 35bi


Enchentes, secas e tempestades causaram prejuízos recordes no primeiro semestre de 2011, afirma a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, que estabeleceu um plano para deixar o país mais preparado para esses desastres.

Além da instabilidade financeira, os Estados Unidos também estão enfrentando o que está sendo considerado um dos anos climáticos mais extremos da história. A seca que atinge o Texas é a mais severa desde 1930 e os prejuízos com tempestades em outros estados alcançam os US$ 20 bilhões. Por isso, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) lançou na última quarta-feira (17) um plano para tornar o país mais preparado para incidentes meteorológicos.

Nos EUA, o número de catástrofes climáticas triplicou nos últimos 20 anos, chegando a um recorde de 250 em 2010. No primeiro semestre deste ano, a maior economia do mundo já foi atingida por nove desastres meteorológicos, que causaram um estrago de cerca de US$ 1 bilhão cada. E vem mais por aí: a NOAA prevê que, só de tempestades, serão 19 no país em 2011.

As sete que já ocorreram causaram uma perda que chega a US$ 20 bilhões, contra uma média de US$ 10 bilhões por ano nos últimos três anos. Desde 1980, só os prejuízos com esse tipo de evento meteorológico aumentaram em cinco vezes. O rombo financeiro do total de incidentes em 2011, até agora, chega a US$ 35 bilhões. E isso que a estação de ciclones mal começou.

Felizmente, os EUA não são castigados por furacões há três anos, mas de acordo com Jack Hayes, diretor do Serviço Meteorológico Nacional da NOAA, isso causa uma falsa segurança na população do país. “Esse é o tipo de coisa que acalma as pessoas. Mas queremos que elas fiquem vigilantes. Não acho que é preciso um adivinho para prever que 2011 será provavelmente um dos anos mais extremos para o clima na história”, alertou.

Um dos estados mais atingidos pelos eventos climáticos extremos é o Texas, que desde 1930, quando aconteceu a chamada Dust Bowl – uma tempestade de areia que durou quase dez anos –, não vê seca tão rigorosa quanto a que assola a região atualmente. Além desse evento, temperaturas altas e incêndios já fizeram o estado perder cerca de US$ 5,2 bilhões em colheitas. Para se ter ideia, entre 1998 e 2010, a agricultura do Texas perdeu US$ 13,1 bilhões.

“Ainda pode haver algumas perdas lá quando virmos o que foi colhido. Acho que isso vai se tornar maior”, declarou David Anderson, economista do Serviço de Extensão AgriLife, organização que oferece programas educacionais e serviços de agricultura para a população texana.

Por tudo isso, a NOAA apresentou nesta quarta-feira (17) uma campanha nacional para preparar os norte-americanos para estes eventos meteorológicos e seus impactos. “Um clima severo representa uma ameaça muito real para a segurança pública e requer medidas adicionais enérgicas. Os crescentes impactos dos desastres naturais, como foi visto neste ano, são um lembrete cruel das vidas e dos meios de subsistência em risco”, lembrou Hayes.

Em parceria com outras agências governamentais, pesquisadores e o setor privado, o Serviço Meteorológico Nacional da NOAA pretende tornar os EUA um país preparado para as consequências dos eventos climáticos extremos. O plano visa, entre outras questões, melhorar as previsões e comunicação de acontecimentos meteorológicos, fortalecer parcerias para aumentar a preparação da comunidade, aperfeiçoar a segurança, gerir eficientemente os recursos ambientais e impedir comportamentos de risco.

O Serviço Meteorológico Nacional também planeja testar alguns projetos de base comunitária que variam de preparos para situações de emergência a previsões ecológicas, para aumentar os esforços de prevenção da agência. Os projetos-teste deverão começar na Costa do Golfo do México e no sul e no centro da Costa Atlântica.

“Em última análise, esses projetos fornecerão planos de ação específicos necessários para nos adaptarmos a eventos climáticos extremos e representam um passo importante na construção de uma nação pronta para o clima”, explicou o diretor do Serviço Meteorológico Nacional.

Embora tenha afirmado que ainda não há certeza se esses eventos extremos estão ligados diretamente às mudanças climáticas, a NOAA sugeriu que este aumento no número de incidentes meteorológicos está ligado ao crescimento da população, principalmente nas áreas de alto risco, e que é necessária a participação de todos para preparar a população para essa nova realidade.

“Construir uma nação pronta para o clima é responsabilidade de todos. Começa com o Serviço Meteorológico Nacional e gestores de emergência, mas acaba com ações de indivíduos e empresas para reduzir seus riscos. Quanto mais preparadas as comunidades estiverem para o clima destrutivo, menos custo humano e econômico experimentaremos no futuro, e isso é uma grande coisa para o país”, disse Eddie Hicks, presidente da Associação Internacional de Gestores de Emergência dos EUA.

Eventos climáticos extremos não estão ocorrendo somente nos EUA, uma onda de recordes de altas temperaturas tem atingido países como a Armênia, o Irã, o Iraque, o Kuwait e a República do Congo. Até o Brasil está sofrendo com fenômenos climáticos, como a umidade do ar bem abaixo do normal que está castigando diversos estados.

O último ano foi considerado o mais quente desde o começo os registros, em 1880. Segundo a NASA, os anos mais quentes até agora são 2005 e 2010, seguidos por 1998, 2002, 2003, 2006, 2007 e 2009, e a década mais quente a de 2000-2009.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.


 

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