Sustentabilidade vai muito além da
preservação da Amazônia, um assunto que vem monopolizando o debate. O governo
da presidente Dilma Rousseff precisa tratar o tema em toda a sua complexidade,
investindo em educação, tecnologia e saúde
Não
faltarão problemas para o próximo governo resolver. A economia vai bem,
obrigado, mas o cenário externo não é animador. A amea¬ça de uma guerra cambial
internacional e a lenta recuperação dos Estados Unidos e de alguns países
europeus certamente estarão no alto da agenda. Os desafios sociais do Brasil
também seguem aí. Muito já se avançou, mas ainda há muito a fazer. Existe outro
ponto essencial, que ganhou destaque com a expressiva votação de Marina Silva:
a sustentabilidade.
O tema é amplo e pouco compreendido.
Sustentabilidade é preservar a Amazônia, mas não é só isso. É investir em
ciência e tecnologia, a chave para que possamos chegar a um mundo com menos
emissões de gases que provocam o efeito estufa. E é dar prioridade à educação,
a base de tudo. Em síntese, não há separação possível entre as agendas
socioambiental, educacional e de ciência e tecnologia. Será uma tragédia se o
novo governo continuar a tratar esses três vetores separadamente, como se eles
não formassem o tripé que permitirá tornar menos insustentável o processo de
desenvolvimento do Brasil.
O primeiro pé dessa agenda sustentável para o
próximo governo faz parte da agenda socioambiental do século passado: garantir
acesso da população ao esgoto. Em 2009, eram 41% os domicílios sem saneamento
básico, e é neles que ocorrem as mais altas densidades de habitantes. Falta de
acesso a esgoto tem impacto sobre a inteligência das pessoas devido à ocor¬rência
de infecções parasitárias na infância. As evidências foram consolidadas em um
recente estudo de Cristopher Epping, publicado no periódico Proceedings of the
Royal Society e relatado por Dráuzio Varella em um recente artigo.
O cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia: 87% no recém-nascido, 44% aos 5 anos, 34% aos 10. As infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico. Repetidas diarreias até os 5 anos de idade roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, podendo comprometer a inteligência para sempre. É ilusão, portanto, supor que não sejam pobres as pessoas que padeçam dessa privação que implica o permanente risco de contrair parasitoses só porque ganham mais de meio salário mínimo. Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. É uma tentativa de encobrir a inépcia dos governos para enfrentar o desafio do saneamento.
O cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia: 87% no recém-nascido, 44% aos 5 anos, 34% aos 10. As infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico. Repetidas diarreias até os 5 anos de idade roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, podendo comprometer a inteligência para sempre. É ilusão, portanto, supor que não sejam pobres as pessoas que padeçam dessa privação que implica o permanente risco de contrair parasitoses só porque ganham mais de meio salário mínimo. Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. É uma tentativa de encobrir a inépcia dos governos para enfrentar o desafio do saneamento.
O número de moradias consideradas inadequadas pelo
IBGE só diminuiu dez pontos entre 1995 e 2002 (de 59,1% para 49,5%), e apenas
cinco pontos entre 2003 e 2008 (de 48,3% para 43%). Se, ao contrário, tivesse
sido dada prioridade ao acesso do andar de baixo a algo tão essencial quanto o
esgoto, isso teria favorecido rápidos aumentos das médias do quociente de
inteligência, o chamado "efeito Flynn". A meta mínima para 2014 deve
ser um aumento para 75% dos domicílios com acesso à rede de esgoto e ao menos
50% com tratamento ambiental, com vistas à universalização do serviço até 2020,
como diz a "Agenda por um Brasil Justo e Sustentável" proposta pela
senadora Marina Silva em outubro.
O segundo pé é deste início de século e implica a
reorientação do planejamento energético de acordo com dez exigências: 1) cumprimento
das condicionantes socioambientais do projeto Belo Monte; 2) criação de um
painel científico independente para monitorar a segurança e os impactos
ambientais da exploração do pré-sal; 3) fim dos leilões de energia para novas
termelétricas movidas a óleo diesel ou carvão mineral; 4) inclusão efetiva da
sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética; 5) aumento de 10%,
até 2014, da participação das energias renováveis na matriz energética; 6)
criação de uma agência reguladora para a Política Nacional de Mudanças
Climáticas; 7) supressão do IPI para veículos elétricos e híbridos; 8)
estabelecimento de um Plano Decenal de Infraestrutura compatível com as metas
de redução de emissões de gases de efeito estufa; 9) estabelecimento de indicadores
de emissões de CO2, tornando obrigatórias as metas de redução previstas em lei;
10) elaboração de um plano de geração de empregos verdes.
Mas nada disso fará sentido sem o terceiro pé: a
prioridade à construção de um sistema de ciência, tecnologia e inovação
orientado para o principal desafio deste século - a transição à sociedade de
baixo carbono. Que não será viável se o país não perceber a importância
estratégica da educação científica desde o ciclo fundamental.
*José Eli da Veiga é professor titular da Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo
(FEA-USP). Fez parte da equipe que elaborou o programa de governo da candidata
Marina Silva
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