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By Ferramentas Blog

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Um futuro menos insustentável


 Sustentabilidade vai muito além da preservação da Amazônia, um assunto que vem monopolizando o debate. O governo da presidente Dilma Rousseff precisa tratar o tema em toda a sua complexidade, investindo em educação, tecnologia e saúde

 Não faltarão problemas para o próximo governo resolver. A economia vai bem, obrigado, mas o cenário externo não é animador. A amea¬ça de uma guerra cambial internacional e a lenta recuperação dos Estados Unidos e de alguns países europeus certamente estarão no alto da agenda. Os desafios sociais do Brasil também seguem aí. Muito já se avançou, mas ainda há muito a fazer. Existe outro ponto essencial, que ganhou destaque com a expressiva votação de Marina Silva: a sustentabilidade.

O tema é amplo e pouco compreendido. Sustentabilidade é preservar a Amazônia, mas não é só isso. É investir em ciência e tecnologia, a chave para que possamos chegar a um mundo com menos emissões de gases que provocam o efeito estufa. E é dar prioridade à educação, a base de tudo. Em síntese, não há separação possível entre as agendas socioambiental, educacional e de ciência e tecnologia. Será uma tragédia se o novo governo continuar a tratar esses três vetores separadamente, como se eles não formassem o tripé que permitirá tornar menos insustentável o processo de desenvolvimento do Brasil.

O primeiro pé dessa agenda sustentável para o próximo governo faz parte da agenda socioambiental do século passado: garantir acesso da população ao esgoto. Em 2009, eram 41% os domicílios sem saneamento básico, e é neles que ocorrem as mais altas densidades de habitantes. Falta de acesso a esgoto tem impacto sobre a inteligência das pessoas devido à ocor¬rência de infecções parasitárias na infância. As evidências foram consolidadas em um recente estudo de Cristopher Epping, publicado no periódico Proceedings of the Royal Society e relatado por Dráuzio Varella em um recente artigo.

O cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia: 87% no recém-nascido, 44% aos 5 anos, 34% aos 10. As infecções parasitárias desviam energia para ativar o sistema imunológico. Repetidas diarreias até os 5 anos de idade roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, podendo comprometer a inteligência para sempre. É ilusão, portanto, supor que não sejam pobres as pessoas que padeçam dessa privação que implica o permanente risco de contrair parasitoses só porque ganham mais de meio salário mínimo. Chega a soar como propaganda enganosa o uso do tosco critério de renda monetária para dizer que a pobreza está despencando. É uma tentativa de encobrir a inépcia dos governos para enfrentar o desafio do saneamento. 

O número de moradias consideradas inadequadas pelo IBGE só diminuiu dez pontos entre 1995 e 2002 (de 59,1% para 49,5%), e apenas cinco pontos entre 2003 e 2008 (de 48,3% para 43%). Se, ao contrário, tivesse sido dada prioridade ao acesso do andar de baixo a algo tão essencial quanto o esgoto, isso teria favorecido rápidos aumentos das médias do quociente de inteligência, o chamado "efeito Flynn". A meta mínima para 2014 deve ser um aumento para 75% dos domicílios com acesso à rede de esgoto e ao menos 50% com tratamento ambiental, com vistas à universalização do serviço até 2020, como diz a "Agenda por um Brasil Justo e Sustentável" proposta pela senadora Marina Silva em outubro.

O segundo pé é deste início de século e implica a reorientação do planejamento energético de acordo com dez exigências: 1) cumprimento das condicionantes socioambientais do projeto Belo Monte; 2) criação de um painel científico independente para monitorar a segurança e os impactos ambientais da exploração do pré-sal; 3) fim dos leilões de energia para novas termelétricas movidas a óleo diesel ou carvão mineral; 4) inclusão efetiva da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética; 5) aumento de 10%, até 2014, da participação das energias renováveis na matriz energética; 6) criação de uma agência reguladora para a Política Nacional de Mudanças Climáticas; 7) supressão do IPI para veículos elétricos e híbridos; 8) estabelecimento de um Plano Decenal de Infraestrutura compatível com as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa; 9) estabelecimento de indicadores de emissões de CO2, tornando obrigatórias as metas de redução previstas em lei; 10) elaboração de um plano de geração de empregos verdes.

Mas nada disso fará sentido sem o terceiro pé: a prioridade à construção de um sistema de ciência, tecnologia e inovação orientado para o principal desafio deste século - a transição à sociedade de baixo carbono. Que não será viável se o país não perceber a importância estratégica da educação científica desde o ciclo fundamental. 

*José Eli da Veiga é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Fez parte da equipe que elaborou o programa de governo da candidata Marina Silva

José Eli da Veiga *
Guia Exame Sustentabilidade
 

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